terça-feira, 6 de setembro de 2011

A Flor e A Náusea

 
Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cizenta.
Melancolias, mercadorias, espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?

Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.

Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a  pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que triste são as coisas, consideradas em ênfase.

Vomitar este tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam pra casa.
Estão menos livres mas levam jornais
e soletram o mundo, sabendo que o perdem.

Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.

Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.

Uma flor nasceu na rua!
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.

Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.

Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens macias avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.

domingo, 21 de agosto de 2011

domingo, 14 de agosto de 2011

Parecia calma.
Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela.
Nunca se adivinharia nela um anseio.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga.
Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um
ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela
própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem
é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante
outra tão igual como se fora a mesma.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la
esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga
— e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado
como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátíl, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.


Clarice Lispector – A Galinha


Ser galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva a morte. Então o que a galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver chama-se manter luta contra a vida que é mortal. Ser galinha é isso. A galinha tem o ar constrangido.
A galinha vive como em sonho. Não tem senso de realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio.


Clarice Lispector – O ovo e a galinha



As pombas urbanas são as proprietárias dos espaços da cidade onde vivem e adaptam-se aos outros habitantes.
Os habitantes das cidades relacionam-se com elas das mais variadas maneiras, dando comida, cuidando, simplesmente as observando, fugindo delas ou as espantando.
Elas formam um meio de relação entre os habitantes e a cidade, habitam espaços públicos e pausam, interrompem o cotidiano, fazem parte dele.


A proposta de se relacionar com as pombas provoca tanto um olhar interno, o reflexo do “ser/existir” diante de um animal, reconhecer o outro como um ser e reconhecer a si mesmo. Como também uma relação desse ser com o mundo, com o espaço, com a cidade, com este contexto, ainda que de uma maneia atemporal.
Perceber o lugar, estar no lugar, compartilhar este lugar com as pombas, relacionar diretamente com elas. Adaptar-se a elas assim como elas se adaptam diante das pessoas, assim como elas se adaptam diante do espaço que vivem, assim como elas estabelecem, em frente a sua relação com o espaço e as pessoas, a via de troca de vida e sobrevivência.


Ações da intervenção:

- A dança das pombas, suas configurações e caminhos no espaço.

- A nossa relação com elas e conseqüentemente com o espaço/cidade.

- Olhar
- Dar Comida
- Espantar
- Afetar e deixar ser afetado – relação de troca.



quinta-feira, 11 de agosto de 2011

não me sai da mente a possibilidade de trabalhar a experiência com as pombas a partir da idéia de bando.

coletivo enquanto bando que se desloca no espaço, com indíviduos bichos-pombas organizados em sua desordem. para se formar esse coletivo seria interessante estabelecer esse corpo bicho individualmente para depois se formar um bando.

bando que vai em busca das suas necessidades, assim como o homem na cidade. (afinal somos animais, né? às vezes até me esqueço disso...) com fome ou com a necessidade do trabalho, de viver, de crescer, alcançar.

esse bando parte da ideia do bicho, porém se reconfigura conforme a necessidade do coletivo podendo se desprender do corpo bicho, mas não se desprender da idéia de bando, para que dessa maneira possam vir referências de outras intervenções. penso que éramos um bando dentro do ônibus cantando. esquecemos de que somos animais, assim como de que não estamos sozinhos na cidade, depende da relação que estabelecemos com ela e com quem a habita...

mas não posso negar também que a experiência de visitar o largo do rosário (espaço ironicamente habitado por inumeras pombas) sempre vai estar marcada pela conversa que tive com o jardineiro Edson, que disse:

todo mundo joga tanta coisa fora e não quer gastar um dinheiro para a limentar os pombos? ...dizem que eles trazem doenças, a doença está na lingua, a gente é que chama a doença e não os pombos... experimenta dar comidas para os pombos, os pensamentos saem da cabeça, não é bom?







Pensando no corpo urbano a partir das reflexões e referências do texto da artista plástica Luana Navarro





Idéias soltas:

O corpo como memória das relações sociais do homem no cotidiano urbano.


Corpo moldado pelos padrões estabelecidos ($) e o espaço construído em função da produtividade ($) tornando-se perpetuador do que já está dado, como a desigualdade.


Camuflagem e mimese do corpo no espaço urbano como possibilidade de evidenciar as relações que o corpo estabelece com o meio que vive. Perceber o corpo como uma extensão da cidade ao mesmo tempo em que se volta para o indivíduo: "corpos solitários e estáticos onde tudo é fluxo e mudança" (luana navarro)





corpo urbano

luana navarro




















segunda-feira, 8 de agosto de 2011

primeiros rastros das experiências na cidade

anotações (daquelas um pouco mais subjetivas) da investigação corporal do dia 3 de agosto.


coisas que se constroem, CAMINHOS, PALAVRAS, SENTIDOS, porém se transformam com o tempo.



tempo lento.



o mesmo da simplicidade do jardineiro edson, o mesmo da sombra das árvores, das pombas,

da sutileza do corpo,

da imagem,

do escuro,

do vento nas folhas,

do gesto,

do feminino.













terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sobre a lentidão

Segue um trecho de texto sobre a experiência do lento!!


" [...] a lentidão não precisa ser exclusivamente o oposto da velocidade. E nem deveria definir-se pelo que supostamente lhe falta. Pois ela não resulta de um traço defeituoso do corpo ou do caráter, não significa apatia, falta de imaginação ou de energia, não se assemelha a um querer sem coragem nem a um molengar alheio á realidade. A lentidão não requer degredo. É possível defini-la de diferentes maneiras e experimentar muitos de seus charmes.
[...]Os exemplos para usar de boa maneira a lentidão são diversos, cotidianos, banais, ao alcance da maior parte dos seres humanos. Não é necessário cursar universidade para aprendê-los, nem procurar algum consultório de relaxamento e de combate aos estresse. Escolher a lentidão não requer ciência nem mudanças abruptas para algum país isolado da pressa habitual. Não é preciso chegar a desertos e florestas selvagens, ao cume de montanhas e a outros locais distantes das cidades para exercê-la. É possível experimentá-la dentro das megalópoles. Seu uso pode inclusive reavivar o gosto pelo realismo mágico formulado pela estética da velocidade. E pode, igualmente, suscitar o encanto dos momentos acusados de serem somente a purgação do corpo em longas esperas.
Escolher a lentidão não se deve forçosamente à vontade de ser mais saudável no futuro, embora a saúde possa efetivamente melhorar. Também não exige a aquisição de mais idéias, mais imagens, mais deslocamentos.
Pois não se trata de acrescentar coisas, e sim de lidar com aquelas que já existem em cada um, para cada um.
Há uma semelhança entre os bons usos da lentidão e a experiência de certos tipos de cansaço.
"A inspiração do cansaço diz menos sobre o que é preciso fazer do que sobre o que se pode deixar de fazer. Cansaço: o anjo que toca o dedo de um rei que sonha, enquanto os outros reis continuam dormindo sem sonhar"


"Corpos de passagem" - Denise Bernuzzi de Sant'Anna


E aqui os escritos da experiência de memória da intervenção:

Um cheiro de pinga no chão molhado da igreja.
O peso do telefone da minha mão e a tecla 8.
Uma profunda angústia.
A noite.
Meu coração acelerando quando guardo a nota dentro do bolso da calça jeans.
Sentindo-me descolada do espaço, deslocada do tempo, separada.
Ser um catalisador, um imã.
Uma angústia de ver o tempo passar e as coisas passando através do meu corpo, no meio
daquele céu e daquelas ruas que não levam a lugar algum.
Frio.
(01/08)

quinta-feira, 28 de julho de 2011

Referência e pensamentos

Este é aquele recorte que a Carol fez do texto que eu enviei "A cidade repete o homem. Para exceder a cidade, um corpo" da artista visual e pesquisadora Cristina Ribas escrito a partir do trabalho de intervenção urbana desenvolvido por Guga Ferraz. O texto foi retirado do site da revista redobra: http://www.corpocidade.dan.ufba.br/redobra/ que, por sua vez, faz parte do projeto CORPOCIDADE, do vale muito a pena a gente se inteirar mais: http://www.corpocidade.dan.ufba.br/


Segue o recorte do texto.:


Desafio desejado de não repetir a si como elemento na cidade mercadoria, mas encontrar o lugar da ação potente. Não da resposta reconhecível. Fazer-se corpo coletivo, corpo partido-com o corpo do outro.
O corpo não é a cidade. Porém tem relação com ela. E pode ser então que um corpo exista expulsando-se do corpo do outro, tomando espaço, ocupando. Expulsando-se do corpo da cidade. O corpo (humano) é uma superfície sensível, capaz de afetar e de sentir. Capaz de repetir e de diferir. Mas nunca existe na unidade. Existe contaminado, híbrido, modificado, incompleto. Corpos e territórios se mesclam, fazendo-se pela repetição e pela diferença na proximidade de outro corpo sensível, na dimensão de um poder ou do seu assujeitamento. Agora, sobre o corpo que se faz por fora do medo, me parece que sobrevive por que na confusão dinâmica produz uma estratégia (nem sempre artística). Esconde-se no escuro. Pula o muro

Multifacetada em camadas, a cidade e seus equipamentos só podem ser medidos também na experiência do corpo.
Traficar será movimentar por fora dos instrumentos de controle, de constituição da cidade funcional, maquinal, estado, poder. A arte pode ser uma linha de fuga, se souber mover-se.
Um corpo é uma ferramenta na cidade.
Usado sob a força do comando que o faz agenciar elementos, valores, mercadorias. Um corpo é como um mapa para uma cidade: só uma ferramenta. Da mesma forma, ao revés indissolúvel, o espaço da cidade é para um corpo o local de sua produção. São elementos de uma equação nunca repetível. Ou sim. Se assim se afirma. A cidade repete o homem porque suporta máquinas de fazer o corpo do homem dentro da proteção e do medo.

O medo é coletivo. Ou comum

Fazer arte na rua é despertencer da arte. Cidade-da-arte que repete um homem. Mas o que se propõe?

Do que se protegem os corpos na cidade? Ser artista é desnudar a si. Diferente do trabalho na rua, na galeria tudo tem identidade, assinatura, autoria. Institui-se. Retira o artista do anonimato e insere sua produção numa resposta formalizada e por isso mesmo perigosa

Tenho pensado muito sobre o filtro pelo qual nós queremos mergulhar a partir desse grande tema CIDADE. Para mim fica cada vez mais forte a resposta que o corpo dá para uma relação de tensão entre o que é ser livre e o que é repressor no cotidiano da cidade. A rua como um espaço paradoxal mesmo, no limite entre público e privado, entre autonomia e repressão, entre a liberdade e o medo.

Beijos!!!!

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sobre a lentidão

Inaugurando nosso blog gostaria de compartilhar uma descrição que fiz sobre a nossa primeira intervenção na Catedral de Campinas :




Relato de experiência: “Lentidão na Catedral”

A intervenção na Catedral durou cerca de duas horas e meia. Iniciamos às 17h20, bem no horário de pico, com muitas pessoas ao redor e finalizamos por volta das 19h40, quando restavam apenas alguns moradores de rua e outros poucos passantes.

Carrego a sensação de que este tempo que vivemos a lentidão do corpo ficou registrado na memória assim como uma viajem para uma cidade desconhecido, onde cada detalhe é percebido como novidade e é possível relembrar com perfeição o caminho traçado em cada dia de passeio. Do início ao fim, cada passo era um acontecimento.

O começo para mim foi muito significativo. Iniciei nas escadas da igreja, ao lado de diversos moradores de rua. Terminei os trinta passos, olhei ao redor (eu já estava “chamando atenção”), direcionei meu olhar para o relógio no topo da igreja e comecei o meu caminhar lento. Senti que meu corpo conectou-se com o estado da lentidão muito rápido, como um interruptor, de repente os barulhos e buzinas mais distantes se fizeram perceptíveis pra mim. Por um tempo aqueles moradores ficaram comentando sobre a minha ação: “Olha lá a menina! Ela tá em câmera lenta”; “Isso deve ser algum ensaio artístico de teatro.”; “Olha lá, tem mais uma ali, e outra, e outra aqui. Que legal!”. Foi então que a primeira pessoa passou por mim, parou, olhou e me perguntou: “Você está bem? Tá precisando de ajuda?”. Achei engraçado e dei um lento sorriso. Ele foi embora.

Estava indo em direção ao orelhão mais próximo e o que mais me chamava atenção era a altura dos prédios, os vários relógios que nos rondavam e o céu. Foi então que ouvi outro comentário que veio lá das escadas, onde eu havia começado: “Olha lá onde ela já tá! Agora pouquinho ela estava aqui do lado!”. Achei engraçado.

Durante todo o percurso fui percebendo que esse lugar da lentidão nos colocava na realidade como ampliadores da ação dos outros e não necessariamente das nossas. Cada pessoa que parava e observava ou que se relacionava diretamente com a gente, ou fazia um comentário, ou tentava imitar – eram esses os acontecimentos que compunham nossa intervenção. Acho isso um dado importante, pois me preocupo em distinguir quando uma intervenção faz parte e é gerada através da cidade ou quando é uma idéia “depositada” ali.

Quando estava próxima ao primeiro orelhão aconteceu algo marcante. Há poucos centímetros de alcançar o orelhão um homem passou na minha frente e foi usar justamente aquele telefone que eu me direcionava. Achei ousado da parte dele e resolvi esperar, como numa fila para usar o orelhão. Ele parecia preocupado com a ligação e confesso ter ouvido a conversa, mas não consigo me lembrar que tipo de negociação ele fazia por telefone. Ele mal percebeu minha presença ali. Fui, então, em busca do telefone ao lado. Quando estava chegando o homem concluiu sua ligação e me perguntou: “Você precisa usar o telefone?”. Eu fiz um gesto afirmativo com a cabeça e continuei indo em direção ao telefone ao lado. Ele me perguntou: “Você queria usar esse? (apontando para o telefone que ele usou). Eu dei um sorriso lento pra ele. “Você está bem? Precisa de ajuda?” Fiz um gesto negativo com a cabeça. “Tem certeza que não precisa de ajuda? e ele encostou sua mão no meu ombro olhando nos meus olhos. Eu disse bem devagar: “Não, obrigada!” e continuei sorrindo pra ele. Ficamos alguns segundos olhando um nos olhos do outro. Ele, por fim, decidiu ir embora e eu fui em direção à banca comprar um cartão telefônico.

No trajeto do primeiro orelhão até a banca o sol finalmente se pôs e a noite começou a escurecer a praça. Os faróis dos carros e as luzes que foram surgindo aos poucos iluminavam o lugar. Eu estava mais próxima das outras meninas, e somente agora, tomei mais consciência de estar em uma ação coletiva. Os relógios marcavam 18h30, já havia passado mais de uma hora. Começou a esfriar e lá nas escadas da igreja já não tinha quase ninguém. Os comércios estavam fechando, inclusive a banca de jornal. Senti na pele a necessidade de correr antes que a banca fechasse, mas sustentei esse desejo na lentidão vivenciando a expectativa de chegar ao meu objetivo. A banca fechou e eu estava com o dinheiro em mãos pra comprar o cartão. Não comprei. Tomei emprestado da Mariama e fui em direção a outro orelhão mais próximo.

Nesse último momento senti uma forte melancolia, um silêncio profundo que me consumiu. A cidade falava pouco, ventava muito. Tive a sensação de estar entre os últimos sobreviventes de uma batalha incansável. Os faróis e os semáforos eram fortes e cegavam meus olhos. A igreja estava longe. A “reta final” foi dura, dolorosa. Estava sendo conduzida e pouco conduzia os meus passos. Quase não sentia minha respiração, sentia minha cabeça pesada e o peito amolecido. Cheguei ao orelhão. Não conseguia digitar os números corretamente. Era pesado segurar o aparelho fora no gancho. Cada tecla que apertava depositava todo o peso do meu corpo nela. Errava os números. A tecla “8” não funcionava. Tinha que digitar a sequência: 8151 6848. O “8” não funcionava. Eu estava muito perto da rua, os carros estava muito rápido e meu deixavam tonta. Consegui. Ouvia a chamada do telefone até o final ao mesmo tempo em que vi a Ana, lá longe, indo em direção ao celular dela para atender minha ligação. Deixei chamar até o final. Ela não atendeu na primeira tentativa. Digitei outra vez. A tecla “8” funcionou. Ela já estava com o telefone nas mãos e me atendeu:

“Alô”

“Oi Ana.”

“Oi”

“Tudo bem?”

“Tudo”

“Eu cheguei no meu final”

“Pra mim ainda falta muito”

“Vou desligar”

“A gente se encontra mais tarde”

“Tá. Tchau.”

“Tchau.”


No mesmo dia, mais tarde, quando estava de volta em casa, fiquei com uma sensação muito forte de abertura e de exposição de algo interior. Tive uma crise de dor de cabeça. Isso me consumiu e me provocou um profundo cansaço e, nessa mesma noite, dormi profundamente um sono pesado e preto.