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"Tempestade” de idéias: O que as Moradas tem a ver com dançar na rua

LUCIANA BORTOLETTO

MORADAS
O corpo, a casa, a cidade.
O interesse por esse tema -MORADAS – começa em 2005 e já passou por muitas transformações. A analogia entre corpo e casa faz com que a Dança seja construída baseada no caminho de imergir-emergir, expandir-recolher, VER DENTRO E FORA.
“Toca”, “Casulos”, “Entre duas linhas vive o branco” (espaço branco), “Desde o alicerce até o silêncio”, “C.asas”…
A morada de infância, a morada do Outro, a falta da morada e…a rua.
A cidade, o espaço público e o constante jogo: “público-privado”. Espaço coletivo, espaço de intimidade.
“Morador” de rua? A casa imaginária, espaço privado construído – invisível – dentro do espaço público. Território.
“Morador” de rua migra pela cidade.  A casa é o corpo.
Aliás, quem “mora” na rua?
Indivíduo e multidão.
Multidão constituída de subjetividades.
O indivíduo e sua morada primordial – o corpo – carrega toda sua história enquanto caminha: para no semáforto (regra coletiva), atravessa na faixa, entra no metrô, se aperta (o espaço de fora diminui e o de dentro expande com o fone de ouvido ou o livro na mão) para “abstrair” da situação claustrofóbica…
Centenas de milhares de pessoas fazendo o mesmo percurso, seguindo basicamente as mesmas regras para transitar “disciplinadamente” na rua.
Mas há:
O “louco”, o “pedinte”, a criança à margem.
Na margem.
Marginal Pinheiros. Multidão. Dentro dos “carros-bolhas”: indivíduos. Cada um com sua história, seguindo todos juntos na mesma direção e sentido. Seguindo as regras.
Segurança de vidro.
A cidade.
O homem.
A natureza urbana (pequenas fissuras, tentativas, resistências).
O teatro de rua,
o “flash mob”
Inter-invenção” urbana.
Palavras de ordem.
Polícia.
o “pregador” com a bíblia na mão… Agitada no alto enquanto o homem diz a procefia aos gritos.
O povo assiste. Passa. O povo mudo.
A família de imigrantes na Praça Ramos.
Índios. Índios? Na dúvida, olha com mais atenção.
Barão de Itapetininga, Ermelino Matarazzo, Paris.
Mendigo paga o preço por não ter aonde morar. Se não é a multa é sufocamento.
Quem “mora” na rua?
Até onde o corpo aguenta?
Meu corpo é minha casa, a Dança é mais uma voz.
Grito mudo.
O que a Dança tem a ver com isso
o que eu
você
ele
te a ver com isso?
Dança – Corpo – Morada
Corpo e Cidade.
Corporeidade.
O aperto do ônibus, o desconforto dos degraus dentro do ônibus, a altura da barra aonde o povo se segura. Estatura baixa, estatura média. A barra alta demais.
Estatura média.
Classe média.
Fome, misto-quente, cigarro.
Fumaça que eu respiro.
Concreto.
Superfície plana. Pés dentro do sapato apertado.
Prazer do banho, da cama, da música.
Bateria de carro alimentando o amplificador – artista de rua no centro de São Paulo.
Santa Ifigênia, Santa Cruz, São Bento, Sé.
Os santos não vêem.
Degraus do teatro municipal servem de cama mas ninguém entrou lá pra saber como é.
Não dá. É caro.
Violão – voz – música sertaneja, funk, Michel Teló. Meu corpo memoriza, lembra fácil mas esquece de beber água.
Malabarista no farol. Alguns trocados.
Isso é Arte?
Vitrine. Roupas. Perfume. Moda. Consumo.
Violência.
Medo.
Encontros e desencontros.
Esbarraram em mim e nem perceberam.
Muda o caminho porque tem gente parada no meio da rua.
Andares mais lentos. Velhice.
Toda relação com o AMBIENTE atravessa ou parte do MEU CORPO.
Então: se eu me movimento, me mobilizo e mobilizo o Outro
Altero um pouco a cidade (macro)
altero um olhar -(micro)
Se busco entender, conversar, enxergar, dialogar, interagir (EU MUDO)
A Dança deve ser um ato político consciente quando acontece na RUA
Para quem danço? O que me move? O que eu tenho a dizer?
COMO  a Dança pode ser instrumento de MICROPOLÍTICA?
E a pergunta nasce na Morada primordial: meu corpo. Atravessa meu abrigo – casa – e alcança o espaço público.
Aonde todos os corpos, todos os vícios, todas as histórias se cruzam.
Como dizer e não perder a POESIA?

LUCIANA BORTOLETTO