domingo, 21 de agosto de 2011

domingo, 14 de agosto de 2011

Parecia calma.
Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela.
Nunca se adivinharia nela um anseio.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga.
Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um
ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela
própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem
é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante
outra tão igual como se fora a mesma.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la
esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga
— e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado
como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátíl, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.


Clarice Lispector – A Galinha


Ser galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva a morte. Então o que a galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver chama-se manter luta contra a vida que é mortal. Ser galinha é isso. A galinha tem o ar constrangido.
A galinha vive como em sonho. Não tem senso de realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio.


Clarice Lispector – O ovo e a galinha



As pombas urbanas são as proprietárias dos espaços da cidade onde vivem e adaptam-se aos outros habitantes.
Os habitantes das cidades relacionam-se com elas das mais variadas maneiras, dando comida, cuidando, simplesmente as observando, fugindo delas ou as espantando.
Elas formam um meio de relação entre os habitantes e a cidade, habitam espaços públicos e pausam, interrompem o cotidiano, fazem parte dele.


A proposta de se relacionar com as pombas provoca tanto um olhar interno, o reflexo do “ser/existir” diante de um animal, reconhecer o outro como um ser e reconhecer a si mesmo. Como também uma relação desse ser com o mundo, com o espaço, com a cidade, com este contexto, ainda que de uma maneia atemporal.
Perceber o lugar, estar no lugar, compartilhar este lugar com as pombas, relacionar diretamente com elas. Adaptar-se a elas assim como elas se adaptam diante das pessoas, assim como elas se adaptam diante do espaço que vivem, assim como elas estabelecem, em frente a sua relação com o espaço e as pessoas, a via de troca de vida e sobrevivência.


Ações da intervenção:

- A dança das pombas, suas configurações e caminhos no espaço.

- A nossa relação com elas e conseqüentemente com o espaço/cidade.

- Olhar
- Dar Comida
- Espantar
- Afetar e deixar ser afetado – relação de troca.



quinta-feira, 11 de agosto de 2011

não me sai da mente a possibilidade de trabalhar a experiência com as pombas a partir da idéia de bando.

coletivo enquanto bando que se desloca no espaço, com indíviduos bichos-pombas organizados em sua desordem. para se formar esse coletivo seria interessante estabelecer esse corpo bicho individualmente para depois se formar um bando.

bando que vai em busca das suas necessidades, assim como o homem na cidade. (afinal somos animais, né? às vezes até me esqueço disso...) com fome ou com a necessidade do trabalho, de viver, de crescer, alcançar.

esse bando parte da ideia do bicho, porém se reconfigura conforme a necessidade do coletivo podendo se desprender do corpo bicho, mas não se desprender da idéia de bando, para que dessa maneira possam vir referências de outras intervenções. penso que éramos um bando dentro do ônibus cantando. esquecemos de que somos animais, assim como de que não estamos sozinhos na cidade, depende da relação que estabelecemos com ela e com quem a habita...

mas não posso negar também que a experiência de visitar o largo do rosário (espaço ironicamente habitado por inumeras pombas) sempre vai estar marcada pela conversa que tive com o jardineiro Edson, que disse:

todo mundo joga tanta coisa fora e não quer gastar um dinheiro para a limentar os pombos? ...dizem que eles trazem doenças, a doença está na lingua, a gente é que chama a doença e não os pombos... experimenta dar comidas para os pombos, os pensamentos saem da cabeça, não é bom?







Pensando no corpo urbano a partir das reflexões e referências do texto da artista plástica Luana Navarro





Idéias soltas:

O corpo como memória das relações sociais do homem no cotidiano urbano.


Corpo moldado pelos padrões estabelecidos ($) e o espaço construído em função da produtividade ($) tornando-se perpetuador do que já está dado, como a desigualdade.


Camuflagem e mimese do corpo no espaço urbano como possibilidade de evidenciar as relações que o corpo estabelece com o meio que vive. Perceber o corpo como uma extensão da cidade ao mesmo tempo em que se volta para o indivíduo: "corpos solitários e estáticos onde tudo é fluxo e mudança" (luana navarro)





corpo urbano

luana navarro




















segunda-feira, 8 de agosto de 2011

primeiros rastros das experiências na cidade

anotações (daquelas um pouco mais subjetivas) da investigação corporal do dia 3 de agosto.


coisas que se constroem, CAMINHOS, PALAVRAS, SENTIDOS, porém se transformam com o tempo.



tempo lento.



o mesmo da simplicidade do jardineiro edson, o mesmo da sombra das árvores, das pombas,

da sutileza do corpo,

da imagem,

do escuro,

do vento nas folhas,

do gesto,

do feminino.













terça-feira, 2 de agosto de 2011

Sobre a lentidão

Segue um trecho de texto sobre a experiência do lento!!


" [...] a lentidão não precisa ser exclusivamente o oposto da velocidade. E nem deveria definir-se pelo que supostamente lhe falta. Pois ela não resulta de um traço defeituoso do corpo ou do caráter, não significa apatia, falta de imaginação ou de energia, não se assemelha a um querer sem coragem nem a um molengar alheio á realidade. A lentidão não requer degredo. É possível defini-la de diferentes maneiras e experimentar muitos de seus charmes.
[...]Os exemplos para usar de boa maneira a lentidão são diversos, cotidianos, banais, ao alcance da maior parte dos seres humanos. Não é necessário cursar universidade para aprendê-los, nem procurar algum consultório de relaxamento e de combate aos estresse. Escolher a lentidão não requer ciência nem mudanças abruptas para algum país isolado da pressa habitual. Não é preciso chegar a desertos e florestas selvagens, ao cume de montanhas e a outros locais distantes das cidades para exercê-la. É possível experimentá-la dentro das megalópoles. Seu uso pode inclusive reavivar o gosto pelo realismo mágico formulado pela estética da velocidade. E pode, igualmente, suscitar o encanto dos momentos acusados de serem somente a purgação do corpo em longas esperas.
Escolher a lentidão não se deve forçosamente à vontade de ser mais saudável no futuro, embora a saúde possa efetivamente melhorar. Também não exige a aquisição de mais idéias, mais imagens, mais deslocamentos.
Pois não se trata de acrescentar coisas, e sim de lidar com aquelas que já existem em cada um, para cada um.
Há uma semelhança entre os bons usos da lentidão e a experiência de certos tipos de cansaço.
"A inspiração do cansaço diz menos sobre o que é preciso fazer do que sobre o que se pode deixar de fazer. Cansaço: o anjo que toca o dedo de um rei que sonha, enquanto os outros reis continuam dormindo sem sonhar"


"Corpos de passagem" - Denise Bernuzzi de Sant'Anna


E aqui os escritos da experiência de memória da intervenção:

Um cheiro de pinga no chão molhado da igreja.
O peso do telefone da minha mão e a tecla 8.
Uma profunda angústia.
A noite.
Meu coração acelerando quando guardo a nota dentro do bolso da calça jeans.
Sentindo-me descolada do espaço, deslocada do tempo, separada.
Ser um catalisador, um imã.
Uma angústia de ver o tempo passar e as coisas passando através do meu corpo, no meio
daquele céu e daquelas ruas que não levam a lugar algum.
Frio.
(01/08)