domingo, 29 de abril de 2012
sexta-feira, 27 de abril de 2012
quinta-feira, 26 de abril de 2012
animal encontrado hoje 14:47 próximo avenida são joão número 473
Sujeira na terra, perigo nos céus
Como estão presentes em quase todas as zonas urbanas do planeta - só não vivem nas regiões polares - , os pombos
acabam deixando rastros nas cidades: sua urina e suas fezes, que possuem alta concentração de ácido úrico, corroem monumentos de pedra e bronze, destroem pinturas e rebocos dos prédios e das construções e
danificam estruturas de concreto e pinturas de automóveis
terça-feira, 24 de abril de 2012
BANDO
multidão – transformação – conecção –
singularidade – instintivo – ativo – devir expansão – epidemia – contágio –
poroso – mutável – fluxos – marginal – violento – infinito – intenso –
sobrevivente – não quer dizer, é – lugar de comunicação – comum – jogo –
dissimetria – animal – transgressor – convulsão – resistente – ético – pulso
"Onde quer que estejamos, o que quer que ouçamos, é ruído. Quando nós o ignoramos, ele nos atrapalha. Quando o ouvimos, achamo-lo fascinante. O som de um caminhão de 50 cavalos de força estática entre estações. Chuva. Queremos capturar e controlar esses sons, usá-los, não como efeitos de som, mas como sons de efeitos musicais." John Cage.
Me lembrou a idéia do João, da última reunião, de captarmos o audio das nossas vozes durante nossos ensaios como material bruto que pode ser usado mais pra frente.
Me lembrou a idéia do João, da última reunião, de captarmos o audio das nossas vozes durante nossos ensaios como material bruto que pode ser usado mais pra frente.
segunda-feira, 23 de abril de 2012
“Composição urbana” parte do princípio de que a arte não intervém nem interfere na cidade – ela compõe. E, em compondo, também decompõe. (Sobre o trabalho de Bia Medeiros)
http://www.funarte.gov.br/artes-visuais/corpos-informaticos-realiza-mostra-na-funarte-sao-paulo/
http://www.funarte.gov.br/artes-visuais/corpos-informaticos-realiza-mostra-na-funarte-sao-paulo/
domingo, 22 de abril de 2012
recortes do texto do pelbart
num plano de composição, trata-se de acompanhar as conexões variáveis, as relações de velocidade e lentidão, a matéria anônima e impalpável dissolvendo formas e pessoas, estados e sujeitos, liberando movimentos, extraindo partículas e a fetos. é um plano de proliferação, de povoamento e de contágio. num plano de composição o que está em jogo é a consistência com a qual ele reúne elementos heterogêneos, disparatados, e também como favorece acontecimentos múltiplos.
excomungar aquele que pretende falar em nome de todos, ou se crê representante de uma totalidade que, justamente, cabe a todo custo evitar.
negri: multidão é o contrário de massa. a multidão é uma certa dinâmica entre o comum e o singular, a multiplicidade e a variação, a potência desmedida e o poder soberano que tenta contê-la, regulá-la ou modulá-la - e talvez um grupo de teatro, de performance, de intervenção pudesse ser considerado sob a mesma lógica, nessa dinâmica entre o comum e o singular, a composição e a consistência, o acontecimento e a subjetividade.
blanchot: na comunidade não se trata mais de uma relação de MESMO com o MESMO, mas de uma relação na qual intervém o OUTRO, e ele é sempre irredutível, sempre em dissemetria, ele introduz a dissemetria.
deleuze: o que resta às almas quando não se aferram mais a particularidades, o que as impede então de fundir-se num todo? Resta-lhes precisamente sua "originalidade", quer dizer, um som que cada um emite quando põe o pé na estrada, quando leva a vida sem buscar a salvação, quando empreende sua viagem encarnada sem objetivo particular e então encontra outro viajante a quem reconhece pelo som.
lawrence: contra a moral européia da salvação e da caridade, uma moral da vida em que a alma só se realiza pondo o pé na estrada, exposta a todos os contatos, sem jamais tentar salvar outras almas, desviando-se daquelas que emitem um som demasiado autoritário ou gemente demais, formando com seus iguais acordos e acordes, mesmo fugidios.
excomungar aquele que pretende falar em nome de todos, ou se crê representante de uma totalidade que, justamente, cabe a todo custo evitar.
negri: multidão é o contrário de massa. a multidão é uma certa dinâmica entre o comum e o singular, a multiplicidade e a variação, a potência desmedida e o poder soberano que tenta contê-la, regulá-la ou modulá-la - e talvez um grupo de teatro, de performance, de intervenção pudesse ser considerado sob a mesma lógica, nessa dinâmica entre o comum e o singular, a composição e a consistência, o acontecimento e a subjetividade.
blanchot: na comunidade não se trata mais de uma relação de MESMO com o MESMO, mas de uma relação na qual intervém o OUTRO, e ele é sempre irredutível, sempre em dissemetria, ele introduz a dissemetria.
deleuze: o que resta às almas quando não se aferram mais a particularidades, o que as impede então de fundir-se num todo? Resta-lhes precisamente sua "originalidade", quer dizer, um som que cada um emite quando põe o pé na estrada, quando leva a vida sem buscar a salvação, quando empreende sua viagem encarnada sem objetivo particular e então encontra outro viajante a quem reconhece pelo som.
lawrence: contra a moral européia da salvação e da caridade, uma moral da vida em que a alma só se realiza pondo o pé na estrada, exposta a todos os contatos, sem jamais tentar salvar outras almas, desviando-se daquelas que emitem um som demasiado autoritário ou gemente demais, formando com seus iguais acordos e acordes, mesmo fugidios.
da série despelando a cidade:
despelando a cidade
arrancar o concreto
respirar
tapar
a conter cimentos
Elementos
para uma cartografia da grupalidade.
Peter PelBart
Poderíamos partir de Espinosa, o
príncipe dos filósofos. E começar pelo mais elementar. O que é um indivíduo?
Espinosa responde: um indivíduo se define pelo seu grau de potência. Cada um de
nós tem um grau de potência singular, o meu é um, o seu é outro, o dele é
outro. Mas o que é um grau de potência? É um certo poder de afetar e de ser
afetado. Cada um de nós tem um certo poder de afetar e de ser afetado. O poder
de ser afetado de um burocrata, basta ler Kafka para ter uma idéia claríssima.
E a capacidade de ser afetado e de afetar de um artista, qual é? Será que a de
um dançarino é a mesma que a de um ator, ou de um político? Será que a de um
acrobata é a mesma que a do jejuador? De novo Kafka, vejam-se aqueles pequenos
contos sobre artistas, em O Artista da Fome, por exemplo. Mas Gilles Deleuze
gosta de dar o exemplo do carrapato, que preenche o seu poder de ser afetado
pelos três elementos, a luz, o cheiro, o sangue. Ele procura o lugar mais alto
da árvore em busca da luz, depois pode ficar um tempo longuíssimo na espera
jejuante em meio à floresta imensa e silenciosa, e quando sente o cheiro do
mamífero passando, ploft, deixa-se cair, para depois se enfiar na pele do
animal atrás de sangue. Então o que é um carrapato? Ora, é um grau de potência.
É um certo poder de ser afetado. Um carrapato se define, em última instância,
por esses três afetos. Como fazer a cartografia de nossos afetos? Como mapear
“etologicamente” os afetos de um indivíduo, seja ele um carrapato, seja uma
pessoa? Ou de um grupo, ou de um movimento?
Então somos um grau de potência,
definido pelo poder de afetar e ser afetado. Mas jamais sabemos de antemão qual
é nossa potência, de que afetos somos capazes. É sempre uma questão de
experimentação. Não sabemos ainda o que pode o corpo, diz Espinosa, só o
descobriremos no decorrer da existência. Ao sabor dos encontros. Só através dos
encontros aprendemos a selecionar o que convém com o nosso corpo, o que não
convém, o que com ele se compõe, o que tende a decompô-lo, o que aumenta sua
força de existir, o que a diminui, o que aumenta sua potência de agir, o que a
diminui. Um bom encontro é aquele pelo qual meu corpo se compõe com aquilo que
lhe convém,
um encontro pelo qual aumenta sua
força de existir, sua potência de agir, sua alegria. Vamos aprendendo a
selecionar nossos encontros, e a compor, é uma grande arte, essa da composição,
da seleção dos bons encontros. Com que elementos, matérias, indivíduos, grupos,
idéias, minha potência se compõe para formar uma potência maior e que resulta
numa alegria maior? E, ao contrário, o que tende a diminuir minha potência, meu
poder de afetar e ser afetado, o que provoca em mim tristeza? O que é aquilo
que me separa de minha força? A tristeza é toda paixão que implica uma
diminuição de nossa potência de agir; a alegria, toda paixão que aumenta nossa
potência de agir. Isso abre para um problema ético e político importante: como
é que aqueles que detêm o poder fazem questão de nos afetar de tristeza? As
paixões tristes como necessárias ao exercício do poder. Inspirar paixões
tristes – é a relação necessária que impõem o sacerdote, o déspota, inspirar
tristeza em seus sujeitos, torná-los impotentes, privá-los da força de existir.
A tristeza não é algo vago, é a diminuição da potência de agir. Existir é,
portanto, variar em nossa potência de agir, entre esses dois pólos, essas
subidas e descidas, elevações e quedas.
Então, como preencher o poder de
afetar e ser afetado que nos corresponde? Por exemplo, podemos apenas ser
afetados pelas coisas que nos rodeiam, nos encontros que temos ao sabor do
acaso, podemos ficar à mercê deles, passivamente, e, portanto, ter apenas
paixões. E, pior, esses encontros podem apenas ser maus encontros, que nos dão
paixões tristes, ódio, inveja, ressentimento, humilhação, com o que se vê
diminuída nossa força de existir, com o que nos vemos separados de nossa
potência de agir. Ora, poucos filósofos combateram tão ardentemente o culto das
paixões tristes. O que Espinosa quer dizer é que as paixões não são um
problema, elas existem e são inevitáveis, não são boas nem ruins, são
necessárias no encontro dos corpos e nos encontros das idéias. O que, sim, em
certa medida, é evitável são as paixões tristes que nos escravizam à impotência.
Em outros termos, as paixões alegres nos aproximam daquele ponto de conversão
em que podemos deixar de apenas padecer, para podermos agir; deixar de ter
apenas paixões, para podermos ter ações, para podermos desdobrar nossa potência
de agir, nosso poder de afetar, nosso poder de sermos a causa direta das nossas
ações; e não de obedecermos sempre a causas externas, padecendo delas, estando
sempre à mercê delas. Como vocês já perceberam, estou num vôo livre e
supersônico em Espinosa, com pitadas de Deleuze, para nossos propósitos
específicos.
Deleuze insiste no seguinte: ninguém
sabe de antemão de que afetos é capaz, não sabe ainda o que pode um corpo ou
uma alma, é uma questão de experimentação, mas também de prudência. É essa a
interpretação etológica de Deleuze: a ética seria um estudo das composições, da
composição entre relações, da composição entre poderes, dos modos de existência
em que resulta tal ou qual composição. Não se trata de seguir nenhum
mandamento, cartilha prévia, ou receita, mas de avaliar as maneiras de vida que
resultam desta ou daquela composição, deste ou daquele encontro, desta ou
daquela afetação. Se o indivíduo se define pelo poder de afetar e ser afetado,
de compor-se, a questão se amplia necessariamente para além dele, e concerne ao
leque de seus encontros. Como as relações podem compor-se para formar uma nova
relação mais “estendida”, ou como os poderes de afetar e de ser afetado podem
se compor de modo a constituir um poder mais intenso, uma potência mais
“intensa”. Trata-se então, diz Deleuze, das “sociabilidades e comunidades”. E
ele chega a perguntar: “Como indivíduos se compõem para formar um indivíduo
superior, ao infinito? Como um ser pode tomar um outro no seu mundo, mas
conservando ou respeitando as relações e o mundo próprios?”. É uma pergunta
crucial, não só para quem trabalha em grupo, mas na vida em geral. Como um ser
pode compor-se com outro, tomá-lo no seu mundo, mas conservando ou respeitando
as relações e o mundo próprios desse outro? Como se pudessem coexistir vários
mundos, mesmo no interior de uma composição maior, sem que sejam todos
reduzidos a um mesmo e único mundo. A partir daí, pode-se pensar a constituição
de um “corpo” múltiplo. Por exemplo, um coletivo seria isso, um corpo múltiplo,
composto de vários indivíduos, com suas relações específicas de velocidade e de
lentidão. Um coletivo poderia ser pensado como essa variação contínua entre
seus elementos heterogêneos, como afetação recíproca entre potências
singulares, em certa composição de velocidade e lentidão.
Mas como pensar a consistência desse
“conjunto” composto de singularidades, de multiplicidade, de elementos
heterogêneos? Gilles Deleuze e Félix Guattari invocam com freqüência um “plano
de consistência”, um “plano de composição”, um “plano de imanência”. Num plano
de composição, trata-se de acompanhar as conexões variáveis, as relações de
velocidade e lentidão, a matéria anônima e impalpável dissolvendo formas e
pessoas, estratos e sujeitos, liberando movimentos, extraindo partículas e
afetos. É um plano de proliferação, de povoamento e de contágio. Num plano de
composição o que está em jogo é a consistência com a qual ele reúne elementos
heterogêneos, disparatados, e também como favorece acontecimentos múltiplos.
Como mostra a conclusão praticamente
ininteligível de Mil Platôs, o que se inscreve num plano de composição são os
acontecimentos, as transformações incorporais, as essências nômades, as
variações intensivas, os devires, os espaços lisos – é sempre um corpo sem
órgãos. Em todo caso, há aqui uma condição que serve para pensar o plano
micropolítico ou macropolítico, e que
parece uma fórmula matemática: o n-1. O que significa essa fórmula esquisita?
Apenas isto: dada uma multiplicidade
qualquer, um conjunto de indivíduos, ou singularidades, ou afetos, como
produzir esse plano de consistência sem subsumir essa heterogeneidade a uma
unidade qualquer? Ou seja, o desafio consiste nisto: mergulhados numa
multiplicidade qualquer, que faz um plano de composição, esconjurar aquele Um
que pretende unificar o conjunto ou falar em nome dessa multiplicidade, seja
esse um o papa, um governante, o diretor, uma ideologia, um afeto predominante.
Trata-se de recusar o império do Um. É uma filosofia da diferença, da
multiplicidade, da singularidade, o que não significa o Caos, a
indiferenciação, o vale-tudo, mas justamente o contrário, a afetação, a
composição, uma espécie de construtivismo, em que a regra única, além de toda
essa química dos encontros e da consistência, é excomungar aquele que pretende
falar em nome de todos, ou se crê representante de uma totalidade que,
justamente, cabe a todo custo evitar.
Eu gostaria de abordar um outro
tópico, a questão do comum, tão importante quando se considera um grupo, uma
sociedade, um conjunto humano. Uma constatação trivial é evocada com
insistência por vários autores contemporâneos, entre eles Toni Negri, Giorgio
Agamben, Paolo Virno, Jean-Luc Nancy, ou mesmo Maurice Blanchot. Asaber, a de
que vivemos hoje uma crise do “comum”. As formas que antes pareciam garantir
aos homens um contorno comum, e asseguravam alguma consistência ao laço social,
perderam sua pregnância e entraram definitivamente em colapso, desde a esfera
dita pública até os modos de associação consagrados, comunitários, nacionais,
ideológicos, partidários, sindicais. Perambulamos em meio a espectros do comum:
a mídia, a encenação política, os consensos econômicos consagrados, mesmo a
espetacularidade cultural, mas igualmente as recaídas étnicas ou religiosas, a
invocação civilizatória calcada no pânico, a militarização da existência para
defender a “vida” supostamente “comum”, ou, mais precisamente, para defender
uma forma de vida dita “comum”. No entanto, sabemos bem que essa “vida” ou
“forma de vida” não é realmente “comum”, que quando compartilhamos esses
consensos, guerras, pânicos, circos políticos, e modos caducos de agremiação,
ou mesmo esta linguagem que fala em nosso nome, somos vítimas ou cúmplices de
um seqüestro, o seqüestro do comum.
Se de fato existe hoje um seqüestro do
comum, uma expropriação do comum, ou uma manipulação do comum, sob formas
consensuais, unitárias, espetacularizadas, totalizadas, transcendentalizadas, é
preciso reconhecer que, ao mesmo tempo e paradoxalmente, tais figurações do
“comum” começam a aparecer finalmente naquilo que são, puro espectro. Num outro
contexto, Deleuze lembra que, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, os
clichês começaram a aparecer naquilo que são, meros clichês, os clichês da
relação, do amor, do povo, da política ou da revolução, os clichês daquilo que
nos liga ao mundo – e foi quando eles assim, esvaziados de sua pregnância, se
revelaram como clichês, isto é, imagens prontas, pré-fabricadas, esquemas
reconhecíveis, meros decalques do empírico, somente então pôde o pensamento
liberar-se deles para encontrar aquilo que é “real”, na sua força de afetação,
com conseqüências estéticas e políticas a determinar. É um momento paradoxal,
esse em que os clichês que filtram o mundo e nos determinam o que deve ser
pensado, feito, sentido, caem em descrédito. Pois eles nos conduziram a um
ponto perigoso, em que já não acreditamos mais nesses clichês, e portanto não
acreditamos no mundo, na sua capacidade de nos oferecer possibilidades novas. É
um ponto de descrença, já não acreditamos nos possíveis, o possível parece
ter-se esgotado.
Deleuze reconhece esse estado de
descrença, de niilismo, de desconexão, mas jamais embarcou no discurso pós-
moderno, seja de crítica e diabolização do mundo, seja de volúpia cínica com a
perda do sentido.
Quando fala das artes, numa posição
considerada por alguns excessivamente moderna, ou caduca, ele diz a coisa mais
simples do mundo, que já Nietzsche não cansava de repetir. As artes inventam
novas possibilidades de vida, e talvez caiba às artes essa incumbência rara de
nos devolver a crença no mundo, neste mundo, neste presente, não crença na sua
existência, de que não duvidamos, mas crença nas possibilidades deste mundo de
engendrar novas formas de vida, novos modos de existência. Não se trata de uma
ingenuidade pueril, nem de um otimismo cego, mas de uma avaliação concreta no
mais alto grau.
O contexto contemporâneo trouxe à
tona, de maneira inédita na história, pois no seu núcleo propriamente econômico
e biopolítico, a prevalência do “comum” e da “invenção”. O trabalho dito
imaterial, a produção pós-fordista, o capitalismo cognitivo, todos eles
requisitam faculdades vinculadas ao que nos é mais comum: a linguagem e seu
feixe correlato, a inteligência, os saberes, a cognição, a memória, a
imaginação e, por conseguinte, a inventividade. Mas também requisitos
subjetivos vinculados à linguagem, tais como a capacidade de comunicar, de
relacionar-se, de associar, de cooperar, de compartilhar a memória, de forjar
novas conexões e fazer proliferar as redes. Nesse contexto de um capitalismo em
rede ou conexionista, que alguns até chamam de rizomático, pelo menos
idealmente aquilo que é comum é posto para trabalhar em comum. Pôr em comum o
que é comum, colocar para circular o que já é patrimônio de todos, fazer
proliferar o que está em todos e por toda parte, seja isso a linguagem, a vida,
a inventividade. Mas essa dinâmica assim descrita só parcialmente corresponde
ao que de fato acontece, já que ela se faz acompanhar pela apropriação do
comum, pela expropriação do comum, pela privatização do comum, pela
vampirização do comum empreendida pelas diversas empresas, máfias, estados,
instituições, inclusive culturais, com finalidades que o capitalismo não pode
dissimular, mesmo em suas versões mais rizomáticas.
Em todo caso, se a linguagem, que
desde Heráclito era considerada a mais comum, tornou-se hoje o cerne da própria
produção, como intelecto geral, como conjunto dos cérebros em cooperação, como
intelectualidade de massa, é preciso dizer que o comum contemporâneo é mais
amplo do que a mera linguagem, dado o contexto da sensorialidade alargada, da
circulação ininterrupta de fluxos, da sinergia coletiva, da pluralidade afetiva
e da subjetividade coletiva daí resultante. Esse comum passa pelo bios social
propriamente dito, pelo agenciamento vital, material e imaterial, biofísico e
semiótico, que constitui hoje o núcleo da produção econômica mas também da
produção de vida comum. Ou seja, é a potência de vida da multidão, sua
biopotência, em seu misto de inteligência coletiva, de afetação recíproca,
produção de laço, capacidade de invenção de novos desejos e novas crenças,
novas associações e novas formas de cooperação, como diz Maurizio Lazzarato na
esteira de Gabriel Tarde, que é cada vez mais a fonte primordial de riqueza do
próprio capitalismo.
Por isso mesmo, esse comum é visado
pelas capturas e seqüestros capitalísticos, mas é esse comum igualmente que os
extrapola, fugindo-lhe por todos os lados e todos os poros.
Diríamos que o comum é um reservatório
de singularidades em variação contínua, uma matéria anorgânica, um corpo sem
órgãos, um ilimitado (apeiron) apto às individuações mais diversas. Apesar de
seu uso um tanto substancializado, em alguns casos o termo “multidão”
desenvolvido por Negri com base em Spinoza tenta remeter a um tal conceito.
Multidão é o contrário de massa. A
massa é um compacto homogêneo, uma indiferenciação de seus componentes numa
direção única, submetidos a um líder. A multidão, tal como Negri a entende, é o
contrário, é essa heterogeneidade, essa inteligência coletiva, essas afetações
recíprocas, essa multiplicidade subjetiva. No fundo, e é aí que eu queria
chegar, a multidão é uma certa dinâmica entre o comum e o singular, a
multiplicidade e a variação, a potência desmedida e o poder soberano que tenta
contê-la, regulá-la ou modulá-la – e talvez um grupo de teatro, de performance,
de
intervenção pudesse ser considerado
sob a mesma lógica, nessa dinâmica entre o comum e o singular, a composição e a
consistência, o acontecimento e a subjetividade.
No fundo, nessas composições e
recomposições, trata-se sempre da experimentação imanente de um comum, de
invenção de modos de vida, de uma redistribuição dos afetos, da invenção de
novos possíveis. Como então pensar a comunidade, ou o grupo, ou um coletivo,
não segundo o modelo da fusão, da homogeneidade, da identidade consigo mesmo,
mas da heterogeneidade, da pluralidade, do jogo, até mesmo das distâncias
reinventadas no seu interior? Em outras palavras, como diz Blanchot em seu
livro La Communauté Inavouable, na comunidade não se trata mais de uma relação
do Mesmo com o Mesmo, mas de uma relação na qual intervém o Outro, e ele é
sempre irredutível, sempre em dissimetria, ele introduz a dissimetria. Como diz
Bataille: “Se esse mundo não fosse constantemente percorrido pelos movimentos
convulsivos dos seres que se buscam um ao outro [...], ele teria a aparência de
uma derrisão oferecida àqueles que ele faz nascer”. Mas o que é esse movimento
convulsivo dos seres que se buscam um ao outro? Seria o amor, como quando se
diz comunidade dos amantes? Ou o desejo, conforme o assinala Negri? Ou se trata
de um movimento que não suporta nenhum nome, nem amor nem desejo, mas que atrai
os seres para jogá-los uns em direção aos outros, segundo seus corpos ou
segundo seu coração e seu pensamento, arrebatando-os à sociedade ordinária,
reinventando sua sensibilidade? Que esse tema seja mais do que uma obsessão
individual de um autor, atesta-o sua presença recorrente entre pensadores dos
anos 1960-1970.
Em curso ministrado no Collège de France
em 1976-1977, por exemplo, Roland Barthes aborda a questão “Comment
vivre-ensemble” (Como viver junto), que, em 2006, foi tema da Bienal
Internacional de São Paulo. Barthes não se interessa pelo viver-a-dois
conjugal, nem o viver-em-muitos segundo uma coerção coletivista, mas pelo
desafio de “pôr em comum as distâncias”, “a utopia de um socialismo das
distâncias”, na esteira do “pathos da distância”, evocado por Nietzsche. São
novas formas de agenciamento coletivo que vão surgindo, não fusionais, mas rizomáticas.
Nessa tônica, a própria resistência atualmente assume novas modalidades.
Deleuze não se cansa de repetir: criar é resistir. Resistir não consiste apenas
em dizer não, mas em inventar, reinventar-se, criar novos afetos, novos
perceptos, novos possíveis, novas possibilidades de vida. Claro que o próprio
termo criação está hoje comprometido, e inteiramente submetido aos ditames do
capitalismo tardio e da sociedade de controle, com seu vampirismo insaciável,
que se apossa da vitalidade social como nenhum outro regime anterior jamais
havia feito. Mas ao mesmo tempo, nesse contexto, essa vitalidade acaba
aparecendo naquilo que ela é, não um produto do capital, mas o patrimônio de
todos e de qualquer um, a potência do homem comum. Mesmo a deserção assume
novas formas.
A propósito do Bartleby, de Melville,
aquele escriturário que a tudo responde que “preferiria não”, Deleuze comenta
que a particularidade desse homem é que ele não tem particularidade nenhuma, é
o homem qualquer, o homem sem essência, o homem que se recusa a fixar-se em
alguma personalidade estável. Diferentemente do burocrata servil
(que compõe a massa nazista, por
exemplo), no homem comum, tal como ele aparece aqui, se expressa algo mais do
que um anonimato inexpressivo: o apelo por uma nova comunidade. Não aquela
comunidade baseada na hierarquia, no paternalismo, na compaixão, como o patrão
de Bartleby gostaria de lhe oferecer, mas uma sociedade de irmãos, a
“comunidade dos celibatários”. Deleuze detecta entre os americanos, antes mesmo
da independência, essa vocação de constituir uma sociedade de irmãos, uma
federação de homens e bens, uma comunidade de indivíduos anarquistas no seio da
imigração universal. A filosofia pragmatista americana, em consonância com a
literatura americana que Deleuze tanto valoriza, lutará não só contra as
particularidades que opõem o homem ao homem, e alimentam uma desconfiança irremediável
de um contra o outro, mas também contra o seu oposto, o Universal ou o Todo, a
fusão das almas em nome do grande amor ou da caridade, a alma coletiva em nome
da qual falaram os inquisidores, como na famosa passagem de Dostoievski, e, por
vezes, sim, os revolucionários.
Deleuze pergunta, então: o que resta
às almas quando não se aferram mais a particularidades, o que as impede então de
fundir-se num todo? Resta-lhes precisamente sua “originalidade”, quer dizer, um
som que cada uma emite quando põe o pé na estrada, quando leva a vida sem
buscar a salvação, quando empreende sua viagem encarnada sem objetivo particular,
e então encontra o outro viajante, a quem reconhece pelo som. Lawrence dizia
ser este o novo messianismo ou o aporte democrático da literatura americana:
contra a moral européia da salvação e da caridade, uma moral da vida em que a
alma só se realiza pondo o pé na estrada, exposta a todos os contatos, sem
jamais tentar salvar outras almas, desviando-se daquelas que emitem um som
demasiado autoritário ou gemente demais, formando com seus iguais acordos e
acordes, mesmo fugidios. A comunidade dos celibatários é a do homem qualquer e
de suas singularidades que se cruzam: nem individualismo nem comunialismo.
Eu não queria terminar esse percurso tão
ziguezagueante por uma conclusão excessivamente assertiva, pois estamos num
momento tão complexo que a assertividade pode tornar-se ela mesma um
ingrediente fundamentalista a mais que se conjuga com tantos outros, como o da
religião do capital ou o capital das religiões. A experimentação é sempre mais
hesitante, feita de lacunas e disparidades, colapsos e retomadas, desfalecimentos,
gagueiras, devires insólitos, acontecimentos tanto mais imponderáveis quanto
menos se dão a ver segundo os limiares de percepção consagrados por uma
sociedade do espetáculo. Talvez eu queira dizer apenas o seguinte, à guisa de
encerramento: Deleuze chega a afirmar que o que lhe importa não é o futuro de
revolução, mas o devir-revolucionário das pessoas, os espaços-tempo que elas
são capazes de inventar, os acontecimentos que se ensejam por toda parte. De
modo que, como diz ele, ser de esquerda não significa uma pertinência
partidária, mas uma questão de percepção. Quando pensam em maio de 1968,
Deleuze e Guattari se referem a uma mutação na sensibilidade, na percepção
social, em que subitamente tudo aquilo que era suportado cotidianamente se
tornou intolerável, e inventaram-se novos desejos que antes pareciam impensáveis.
Uma mutação social é uma redistribuição dos afetos, é um redesenho da fronteira
entre aquilo que uma sociedade percebe como intolerável e aquilo que ela
considera desejável. Não me parece que o teatro seja estranho a essa tarefa,
que é da sensibilidade, da percepção, da invenção de possíveis, de formas de
associação inusitadas, de modos de existência. É um desafio estético, ético,
político, subjetivo. Mas que não se dá de forma etérea nem abstrata. Às vezes precisamos
de dispositivos muito concretos que sustentem tais experimentações, tais
acontecimentos. Estar à altura do que nos acontece é a única ética possível,
estar à altura dos acontecimentos que se esteja em condições de propiciar, nos
mais diversos campos, nas mais diversas escalas, moleculares e molares,
recusando o niilismo biopolítico e suas formas cada vez mais insidiosas e
capilares. A esses dispositivos vários, dos quais um certo teatro faz parte, eu
chamaria de dispositivos biopolíticos, em que está em jogo uma potência de
vida, uma biopotên
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