quinta-feira, 28 de julho de 2011

Referência e pensamentos

Este é aquele recorte que a Carol fez do texto que eu enviei "A cidade repete o homem. Para exceder a cidade, um corpo" da artista visual e pesquisadora Cristina Ribas escrito a partir do trabalho de intervenção urbana desenvolvido por Guga Ferraz. O texto foi retirado do site da revista redobra: http://www.corpocidade.dan.ufba.br/redobra/ que, por sua vez, faz parte do projeto CORPOCIDADE, do vale muito a pena a gente se inteirar mais: http://www.corpocidade.dan.ufba.br/


Segue o recorte do texto.:


Desafio desejado de não repetir a si como elemento na cidade mercadoria, mas encontrar o lugar da ação potente. Não da resposta reconhecível. Fazer-se corpo coletivo, corpo partido-com o corpo do outro.
O corpo não é a cidade. Porém tem relação com ela. E pode ser então que um corpo exista expulsando-se do corpo do outro, tomando espaço, ocupando. Expulsando-se do corpo da cidade. O corpo (humano) é uma superfície sensível, capaz de afetar e de sentir. Capaz de repetir e de diferir. Mas nunca existe na unidade. Existe contaminado, híbrido, modificado, incompleto. Corpos e territórios se mesclam, fazendo-se pela repetição e pela diferença na proximidade de outro corpo sensível, na dimensão de um poder ou do seu assujeitamento. Agora, sobre o corpo que se faz por fora do medo, me parece que sobrevive por que na confusão dinâmica produz uma estratégia (nem sempre artística). Esconde-se no escuro. Pula o muro

Multifacetada em camadas, a cidade e seus equipamentos só podem ser medidos também na experiência do corpo.
Traficar será movimentar por fora dos instrumentos de controle, de constituição da cidade funcional, maquinal, estado, poder. A arte pode ser uma linha de fuga, se souber mover-se.
Um corpo é uma ferramenta na cidade.
Usado sob a força do comando que o faz agenciar elementos, valores, mercadorias. Um corpo é como um mapa para uma cidade: só uma ferramenta. Da mesma forma, ao revés indissolúvel, o espaço da cidade é para um corpo o local de sua produção. São elementos de uma equação nunca repetível. Ou sim. Se assim se afirma. A cidade repete o homem porque suporta máquinas de fazer o corpo do homem dentro da proteção e do medo.

O medo é coletivo. Ou comum

Fazer arte na rua é despertencer da arte. Cidade-da-arte que repete um homem. Mas o que se propõe?

Do que se protegem os corpos na cidade? Ser artista é desnudar a si. Diferente do trabalho na rua, na galeria tudo tem identidade, assinatura, autoria. Institui-se. Retira o artista do anonimato e insere sua produção numa resposta formalizada e por isso mesmo perigosa

Tenho pensado muito sobre o filtro pelo qual nós queremos mergulhar a partir desse grande tema CIDADE. Para mim fica cada vez mais forte a resposta que o corpo dá para uma relação de tensão entre o que é ser livre e o que é repressor no cotidiano da cidade. A rua como um espaço paradoxal mesmo, no limite entre público e privado, entre autonomia e repressão, entre a liberdade e o medo.

Beijos!!!!

terça-feira, 26 de julho de 2011

Sobre a lentidão

Inaugurando nosso blog gostaria de compartilhar uma descrição que fiz sobre a nossa primeira intervenção na Catedral de Campinas :




Relato de experiência: “Lentidão na Catedral”

A intervenção na Catedral durou cerca de duas horas e meia. Iniciamos às 17h20, bem no horário de pico, com muitas pessoas ao redor e finalizamos por volta das 19h40, quando restavam apenas alguns moradores de rua e outros poucos passantes.

Carrego a sensação de que este tempo que vivemos a lentidão do corpo ficou registrado na memória assim como uma viajem para uma cidade desconhecido, onde cada detalhe é percebido como novidade e é possível relembrar com perfeição o caminho traçado em cada dia de passeio. Do início ao fim, cada passo era um acontecimento.

O começo para mim foi muito significativo. Iniciei nas escadas da igreja, ao lado de diversos moradores de rua. Terminei os trinta passos, olhei ao redor (eu já estava “chamando atenção”), direcionei meu olhar para o relógio no topo da igreja e comecei o meu caminhar lento. Senti que meu corpo conectou-se com o estado da lentidão muito rápido, como um interruptor, de repente os barulhos e buzinas mais distantes se fizeram perceptíveis pra mim. Por um tempo aqueles moradores ficaram comentando sobre a minha ação: “Olha lá a menina! Ela tá em câmera lenta”; “Isso deve ser algum ensaio artístico de teatro.”; “Olha lá, tem mais uma ali, e outra, e outra aqui. Que legal!”. Foi então que a primeira pessoa passou por mim, parou, olhou e me perguntou: “Você está bem? Tá precisando de ajuda?”. Achei engraçado e dei um lento sorriso. Ele foi embora.

Estava indo em direção ao orelhão mais próximo e o que mais me chamava atenção era a altura dos prédios, os vários relógios que nos rondavam e o céu. Foi então que ouvi outro comentário que veio lá das escadas, onde eu havia começado: “Olha lá onde ela já tá! Agora pouquinho ela estava aqui do lado!”. Achei engraçado.

Durante todo o percurso fui percebendo que esse lugar da lentidão nos colocava na realidade como ampliadores da ação dos outros e não necessariamente das nossas. Cada pessoa que parava e observava ou que se relacionava diretamente com a gente, ou fazia um comentário, ou tentava imitar – eram esses os acontecimentos que compunham nossa intervenção. Acho isso um dado importante, pois me preocupo em distinguir quando uma intervenção faz parte e é gerada através da cidade ou quando é uma idéia “depositada” ali.

Quando estava próxima ao primeiro orelhão aconteceu algo marcante. Há poucos centímetros de alcançar o orelhão um homem passou na minha frente e foi usar justamente aquele telefone que eu me direcionava. Achei ousado da parte dele e resolvi esperar, como numa fila para usar o orelhão. Ele parecia preocupado com a ligação e confesso ter ouvido a conversa, mas não consigo me lembrar que tipo de negociação ele fazia por telefone. Ele mal percebeu minha presença ali. Fui, então, em busca do telefone ao lado. Quando estava chegando o homem concluiu sua ligação e me perguntou: “Você precisa usar o telefone?”. Eu fiz um gesto afirmativo com a cabeça e continuei indo em direção ao telefone ao lado. Ele me perguntou: “Você queria usar esse? (apontando para o telefone que ele usou). Eu dei um sorriso lento pra ele. “Você está bem? Precisa de ajuda?” Fiz um gesto negativo com a cabeça. “Tem certeza que não precisa de ajuda? e ele encostou sua mão no meu ombro olhando nos meus olhos. Eu disse bem devagar: “Não, obrigada!” e continuei sorrindo pra ele. Ficamos alguns segundos olhando um nos olhos do outro. Ele, por fim, decidiu ir embora e eu fui em direção à banca comprar um cartão telefônico.

No trajeto do primeiro orelhão até a banca o sol finalmente se pôs e a noite começou a escurecer a praça. Os faróis dos carros e as luzes que foram surgindo aos poucos iluminavam o lugar. Eu estava mais próxima das outras meninas, e somente agora, tomei mais consciência de estar em uma ação coletiva. Os relógios marcavam 18h30, já havia passado mais de uma hora. Começou a esfriar e lá nas escadas da igreja já não tinha quase ninguém. Os comércios estavam fechando, inclusive a banca de jornal. Senti na pele a necessidade de correr antes que a banca fechasse, mas sustentei esse desejo na lentidão vivenciando a expectativa de chegar ao meu objetivo. A banca fechou e eu estava com o dinheiro em mãos pra comprar o cartão. Não comprei. Tomei emprestado da Mariama e fui em direção a outro orelhão mais próximo.

Nesse último momento senti uma forte melancolia, um silêncio profundo que me consumiu. A cidade falava pouco, ventava muito. Tive a sensação de estar entre os últimos sobreviventes de uma batalha incansável. Os faróis e os semáforos eram fortes e cegavam meus olhos. A igreja estava longe. A “reta final” foi dura, dolorosa. Estava sendo conduzida e pouco conduzia os meus passos. Quase não sentia minha respiração, sentia minha cabeça pesada e o peito amolecido. Cheguei ao orelhão. Não conseguia digitar os números corretamente. Era pesado segurar o aparelho fora no gancho. Cada tecla que apertava depositava todo o peso do meu corpo nela. Errava os números. A tecla “8” não funcionava. Tinha que digitar a sequência: 8151 6848. O “8” não funcionava. Eu estava muito perto da rua, os carros estava muito rápido e meu deixavam tonta. Consegui. Ouvia a chamada do telefone até o final ao mesmo tempo em que vi a Ana, lá longe, indo em direção ao celular dela para atender minha ligação. Deixei chamar até o final. Ela não atendeu na primeira tentativa. Digitei outra vez. A tecla “8” funcionou. Ela já estava com o telefone nas mãos e me atendeu:

“Alô”

“Oi Ana.”

“Oi”

“Tudo bem?”

“Tudo”

“Eu cheguei no meu final”

“Pra mim ainda falta muito”

“Vou desligar”

“A gente se encontra mais tarde”

“Tá. Tchau.”

“Tchau.”


No mesmo dia, mais tarde, quando estava de volta em casa, fiquei com uma sensação muito forte de abertura e de exposição de algo interior. Tive uma crise de dor de cabeça. Isso me consumiu e me provocou um profundo cansaço e, nessa mesma noite, dormi profundamente um sono pesado e preto.