domingo, 14 de agosto de 2011

Parecia calma.
Não olhava para ninguém, ninguém olhava para ela.
Nunca se adivinharia nela um anseio.
Estúpida, tímida e livre. Não vitoriosa como seria um galo em fuga.
Que é que havia nas suas vísceras que fazia dela um ser? A galinha é um
ser. É verdade que não se poderia contar com ela para nada. Nem ela
própria contava consigo, como o galo crê na sua crista. Sua única vantagem
é que havia tantas galinhas que morrendo uma surgiria no mesmo instante
outra tão igual como se fora a mesma.
Mas quando todos estavam quietos na casa e pareciam tê-la
esquecido, enchia-se de uma pequena coragem, resquícios da grande fuga
— e circulava pelo ladrilho, o corpo avançando atrás da cabeça, pausado
como num campo, embora a pequena cabeça a traísse: mexendo-se rápida e vibrátíl, com o velho susto de sua espécie já mecanizado.


Clarice Lispector – A Galinha


Ser galinha é a sobrevivência da galinha. Sobreviver é a salvação. Pois parece que viver não existe. Viver leva a morte. Então o que a galinha faz é estar permanentemente sobrevivendo. Sobreviver chama-se manter luta contra a vida que é mortal. Ser galinha é isso. A galinha tem o ar constrangido.
A galinha vive como em sonho. Não tem senso de realidade. Todo o susto da galinha é porque estão sempre interrompendo o seu devaneio.


Clarice Lispector – O ovo e a galinha

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